segunda-feira, 19 de março de 2012

Vaivém

Eu tinha tudo na mão e agora ando meio calado e mutante. Eu aprendi que, nos relacionamentos, com as verdades não se brinca. Meio que rindo, chamei você pra morar comigo, meio choramingando você disse que era melhor não. Os dias degringolaram, ninguém mais se entendeu, a gente deu um tempo indeterminado. Mas as coisas continuaram acontecendo.

A cafeteira nova que eu comprei que não supera a antiga no quesito imitar a voz do Tom Waits na hora de passar. Algumas noites passo lá embaixo e vejo sua luz acesa. Grudada na parede frontal da minha memória tem uma fotografia daquele seu conhecido sorriso de chegada, aquele de longe, a meia boca, doida e apaixonadinha por mim. No prédio em frente ao meu um casal briga, vejo os lábios dela mexerem, mas nunca consigo entender nada. Eu fico imaginando como dizer se é muito cedo pra telefonar e dá na caixa de mensagem e eu sinto uma puta vergonha de chorar feito homem na mesa daquela nossa temakeria de sempre, a dos sábados meio-dia.

Mas as coisas continuaram acontecendo. Meu curso de gastronomia para acampamentos, o colega que namora uma garota que tem uma amiga pra apresentar chamada Raquel que é loira, tem 21 aninhos, usa jaqueta e shortinho e também curte Pavement e outros, mas não ando muito a fim desses troços de encontro. Já sei que sexta vou foder de forma insana e descompromissada uma louca à toa com sobrancelha mais escura que a tinta no cabelo, e depois vou pra casa dormir até tarde. Você foge da minha intensidade, e mal sabe que também posso ser bem superficial, se eu quiser. Parei de fumar pela quinta vez hoje. Passo na frente do Abbey Road Bar e não arrisco entrar. Por onde vai você?

E as coisas continuam acontecendo. O alarme de um carro toca sem parar. Você ouviu de alguém que ando deprimido e ficou contente e perguntou mais coisas sobre mim que eu sei, também tenho minhas fontes. Você se tornou uma pessoa totalmente diferente depois que eu mudei muito. Lembro você e tenho febre. Na orla, os navios soltam fumaça de despedida do cais. Eu corro sem sentir as pernas. Furo no meio de uma dupla de gatinhas fazendo jogging na direção contrária. Não posso explicar, mas me dá uma sensação que está tudo bem, de verdade. Posso me sentir mudando pra melhor, sei que estou esquecendo, tudo passa, eu passeio. Meu personagem não convence.

Aí seu pai resolve morrer e pega todo mundo de surpresa. Parece que o Doutor falou enquanto tirava as luvas cirúrgicas que deu o máximo de si, mas infelizmente. Nada é, tudo está.

Você vem. Eu sei que você sabe que eu sei que só eu sei como te tranquilizar no primeiro abraço. Soluça no meu peito e encharca minha camiseta do Manchester United que eu trouxe de lá. Não entendo o que você grita. Não parecia, mas o velho gostava de mim, sei pelo LP do "The Dark Side Of The Moon" que ele achou na garagem e mandou perguntar se eu queria ou então ia pro lixo. E quando ele ficava puto porque eu estacionava no portão? E quando ele dizia naquele tom rústico e colonial "tu cria uma filha com todo cuidado pra ela se apaixonar pela pessoa errada", aí balançava a cabeça e dava um gole no vinho tinto dominical.

Seus olhos de semáforo me fogem: não. Me olha e pisca lento: atenção. E depois desvia a pupila pra esquerda: pode vir. Não é culpa nossa, quando a gente vê, tenho minha língua na sua virilha sem recordar o primeiro toque no braço. É tão pra ontem esse querer que eu queria penetrar direto pela veia. Você finalmente pega no sono e me faz prometer que não vou soltar sua mão. Chega uma hora que a verdade dá as caras e eu te tenho em mãos, mais uma vez. Não está tudo bem agora, pequena. Mas vai ficar.

É como um balão de gás helio. Solto no céu, chama atenção. Preso na mão é só um enfeite. Deixa voar, quem sabe ele volta pra tua mão.




(G. Nunes)